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O LADO B DE SER STARTUP NO BRASIL


Muitas empresas no Brasil ainda não sabem tratar, negociar e, muito menos, fomentar as startups.

Ser ou não ser startup? Fugindo do resto da pergunta feita por Hamlet, posso garantir que essa é uma questão que muitas das jovens empresas brasileiras se fazem diuturnamente. E afirmo isso porque, desde que começamos a empreender, há cerca de quatro anos quando lançamos a In Loco, eu e meus sócios nos deparamos e vimos outros empreendedores também lidarem com essa dúvida: devemos nos denominar startups ou não?

O motivo é simples, mas não trivial: muitas empresas grandes no Brasil ainda não sabem tratar, negociar e, muito menos, fomentar as startups. Apesar do aparente glamour, ser uma startup brasileira é enfrentar um lado sombrio que precisamos desmistificar e consertar.

Um dos primeiros paradigmas a serem derrubados é o fato das grandes corporações acreditarem que estão fazendo um favor ao contratar uma startup. Alimentadas pelo mau hábito de tentar tirar vantagem de onde for possível e com pouca maturidade para entender os impactos positivos de um ecossistema de inovação para o crescimento do seu próprio negócio e do mercado, algumas corporações enxergam as startups com olhos pouco profissionais. Via de regra, se sentem fazendo um favor ao marcar reuniões e um outro ainda maior ao assinar um contrato.

Isso acontece porque, na maioria das vezes, quando a empresa se posiciona como startup no Brasil, o mercado não a enxerga como um player inovador que irá agregar vantagens competitivas e contribuir para a melhoria e crescimento dos negócios.

Parte, pelo contrário, do pressuposto que está lidando com um fornecedor pequeno, descapitalizado, que ainda precisa se provar e, por isso, não tem outra saída a não ser aceitar de bom grado qualquer condição de negócio proposta. Parênteses relevante: senhores, há sim outras saídas. Falarei disso mais adiante.

Então, a essa altura, além da grande contratante já estar tomada por uma reconfortante sensação de benevolência por ter feito o ‘favor’ de aceitar trabalhar com uma startup, ela cria uma situação absolutamente destrutiva para a inovação: exige trabalhos complexos sem remuneração adequada, ou, ainda pior, sem remuneração alguma.

Uma sinuca profissional em que os ganhos são, ao contrário do que figura no imaginário corporativo, de mão única: só ganham as gigantes. As startups e o ecossistema de inovação sofrem.

O terceiro aspecto é a aversão ao risco, comportamento comum a algumas empresas brasileiras. Aliado à cultura de punir colaborador que erra, com a pena de demissão, este comportamento organizacional atua como verdadeiro veneno contra a cultura do aprendizado constante e da velocidade de decisões, matando assim as condições para o fortalecimento da cultura da inovação.

Afinal, a inovação por si só é um componente de risco. Trata-se de abrir novos caminhos, desenvolver outras métricas e criar soluções jamais imaginadas, muitas vezes aplicados sob medida para diferentes e novos contextos. Sem receita, sem cases e sem histórico, as organizações não sabem como entender essas soluções e assumem que o risco será grande demais, sem ao menos avaliar que o retorno, como dita a regra, pode ser proporcional. Não dá para ter resultados diferentes, fazendo as mesmas coisas.

No mesmo lado dessa moeda, sem o apoio organizacional para arriscar-se nos caminhos de testar inovações, os executivos que têm a chance de se aproximar de startups exigem, de antemão, a comprovação ampla e irrestrita do sucesso da solução. A questão é que o resultado de inovações raramente podem ser medido nos parâmetros que as empresas estão acostumadas.

O sucesso é mensurável, mas de uma outra forma. Sem ter garantia atestada e com receio de punição, os executivos preferem descartar a opção a colocar seu próprio emprego em risco - legítima decisão pessoal, mas questionável do ponto da corporação que mira a inovação.

É possível fazer diferente? Sem dúvida. A maior inspiração vem do Estados Unidos. Com uma comunidade de startups gigantesca, eles conseguem retroalimentar positivamente o ecossistema criando condições para que mais e mais startups surjam, cresçam, evoluam, conquistem mercado e, entrem novamente no ciclo como fomentadoras de novas futuras-ex-startups.

Apesar dos problemas levantados neste texto porque, de fato, ainda existem, o Brasil está evoluindo. Na In Loco, passamos por todos os problemas que relatei e vencemos. Somos uma empresa de 170 pessoas com cultura de startup e seguiremos assim, crescendo.

Assim como nós, diversas empresas dessa nova geração de empreendedores brasileiros está criando produtos viáveis para um negócio escalável, aplicado a mercados de crescimento exponencial e com uma cultura organizacional voltada à inovação: da contratação de nossos talentos, passando pelo core até o relacionamento com o cliente. Clientes de diversos tamanhos que enxergam o profissionalismo que entregamos, nos respeitam, admiram e remuneram de acordo.

Prova dessa evolução são as primeiras unicórnios brasileiras. 99, Nubank e PagSeguro estrearam a lista que deve engrossar nos próximos anos. Isso, sem falar na resiliência de tantos empreendedores brasileiros que hoje comandam grandes empresas que foram startups antes do termo ser cunhado e virar moda.

Mas a glamourização desse termo, desse mercado não pode servir como fumaça e nos distrair dos problemas que existem e que ao serem sanados levarão o Brasil a dar o nosso grande salto em inovação.

André Ferraz é CEO da In Loco, empresa de tecnologia do Grupo Naspers

Fonte: Revista PEGN

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